A lei 13146/2015, mais conhecida como LBI, Lei Brasileira de Inclusão, entrou em vigor em janeiro de 2016, e o que mais tem sido divulgado é que a partir de agora as escolas não mais podem negar vagas para as pessoas com necessidades especiais, e que não podem cobrar taxas extras em função da necessidade especial que a pessoa apresente.
Realmente é um grande avanço na legislação, mas a LBI traz alterações importantes e que não estão sendo objeto de divulgação ou de comentários perante a sociedade, e que iremos tratar neste momento.
A lei realmente traz de forma expressa que é dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação.
A lei traz ainda uma série de obrigações que o Estado, bem como as escolas particulares estão obrigadas a implementar para alcançar estes objetivos, e proíbe a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações.
Até ai nenhuma novidade, pois tais notícias são as que mais tem sido veiculadas ultimamente, porém vamos tratar de outras alterações pouco divulgadas, senão vejamos.
A lei traz importantes alterações ao Código Civil Brasileiro, em especial aos artigo 3o e 4o que tratam da incapacidade da pessoa natural. Referidos artigos tratam da incapacidade absoluta e da incapacidade relativa das pessoas respectivamente.
A partir de agora, somente os menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes, deixando de serem considerados absolutamente incapazes a partir de então, os “que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos”, bem como “os que mesmo, por causa transitória não puderem exprimir sua vontade”.
Ou seja, a partir de agora não são mais incapazes nenhuma pessoa enferma, nem deficiente mental, nem excepcional inclusive por força da que consta do artigo 6o do Estatuto de modo que não mais precisam de representantes legais ou assistentes para praticar os atos da vida civil.
Na verdade eles devem praticar os atos da vida civil de modo que os curadores e/ou pais perdem a representação que possuíam por força de lei, e não podem mais podem falar em nome destas pessoas, pois a lei não mais lhes permite tal prática, a não ser que possuam sentença neste sentido, e/ou procuração.
Em relação à sentença, nos processos de interdição, há uma dúvida em relação as sentenças que já transitaram em julgado, declarando a interdição com base nos incisos ora revogados, já que trata-se de Lei de Estado, e neste caso há quem defenda que alei tem efeito imediato, porém há quem defenda que a lei é imediata mas respeitara a coisa julgada.
De toda forma, o fato é que as pessoas que constavam no artigo 3o como absolutamente incapazes, não mais o são, e podem, ou melhor, devem praticar os atos da vida civil, por si só, e como exemplo podemos utilizar a relação contratual com escolas faculdades e etc..
Em relação aos relativamente incapazes, agora temos que “os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade”, e que eram considerados absolutamente incapazes, passam para a categoria de relativamente incapazes, e deixaram de ser relativamente incapazes, para se tornarem plenamente capazes, “aqueles que por deficiência mental tenham o discernimento reduzido”, assim como “os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo”.
Sendo assim, a partir de janeiro, todo aquele que não puder exprimir sua vontade passa a ser assistido e não mais representado, ou seja, participa do ato juntamente com seu assistente, já que deixou de ser absolutamente incapaz, e passou a ser relativamente incapaz.
Ora, se a nova redação do inciso III do artigo 4o dispõe que a pessoa está por causa transitória ou permanente impossibilitada de exprimir sua vontade, como poderá ela participar do ato, conjuntamente com seu assistente ?
Nota-se que há uma imperfeição técnica na lei, que provavelmente na tentativa de dar maiores garantias ou liberdades à pessoa com necessidades especiais, acaba por criar um problema de ordem prática, e que pode refletir na validade dos atos jurídicos praticados a partir de então, já que o assistente, apenas ratifica o ato praticado pelo assistido,
porém, se o assistido está ainda que temporariamente impedido de exprimir sua vontade, e portanto não poderá firmar nenhum negócio jurídico, qual ato o assistente irá ratificar ?
Diante destas alterações que a lei promove no Código Civil, vemos que as situações de ordem prática, do dia-a-dia podem se tornar complicadas e até mesmo de difícil aplicação, já que apesar de a lei tentar privilegiar os deficientes pode ser que isso não tenha ocorrido, pelo menos nos aspectos supra mencionados.
Sem mencionar ainda, as alterações que a lei promove, em relação ao direito de família, no Código Civil, em especial, no que tange a revogação do inciso I do artigo 1.548 do Código Civil que previa a nulidade do casamento do “enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil”.
Ou seja, por conta de tal revogação, as pessoas deficientes pode formar uma família por meio do casamento ou mesmo união estável, não mais sendo nulo o casamento da pessoa deficiente, porém, por conta do artigo 1550, poderá ser anulável, o casamento do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento, e mais, consta no Parágrafo 2o do referido artigo que a pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador.
Ou seja, o que podemos dizer de plano, é que as mudanças trazidas por esta lei, são muito mais profundas do que as que tem sido noticiadas, pois as notícias trazidas se resumem apenas em mencionar que a LBI agora obriga as escolas em aceitar matrícula das pessoas deficientes, e como verificamos nas linhas acima as alterações são muito mais profundas.
Carlos Henrique Trindade de Albuquerque
Advogado no Escritório Jurídico Cosenza
Professor de Direito Civil na Faculdade Zumbi dos Palmares